História da Imprensa Desportiva em Portugal

Francisco Pinheiro

PhD | Integrate researcher CEIS20-University of Coimbra | Associate researcher IHC-New University of Lisbon.

“História da Imprensa Desportiva em Portugal”

A CRUZADA DA GINÁSTICA

 Na década de 1870, com o ensino primário a cair sobre a alçada das autarquias, a Câmara Municipal de Lisboa encarregou o vereador da instrução, Elias Garcia, de regula­mentar o ensino primário em 1875. Entre as medidas tomadas avultaram os esforços em prol da instrução da ginástica «como forma de revigoramento rácico e de formação dum ideal patriótico que, na opinião de Elias Garcia, competia à escola promover através de processos desta natureza» (Estrela, 1980). Nesta fase de promoção da educação física, a Escola Moderna, em Lisboa, nomeou Paulo Lauret professor de ginástica em 1876, cargo que ocupou durante quatro anos, leccionando também noutros colégios e sociedades recreativas lisboetas. Neste espaço de tempo, Lauret lançou-se na aventura de criar o primeiro periódico dedicado à ginástica e à educação física em Portugal. Assim, em 15 de Novembro de 1878 saiu o primeiro número de O Gymnasta, com o subtítulo de «órgão bi­mensal de educação física». Sem ilustrações e ao preço de 20 réis, Lauret, director e proprietário, contava com mais quatro colaboradores. Um deles, Carlos Pereira, assinou o editorial «O Gymnasta», na capa do primeiro número, esclarecendo que o periódico «vem preencher uma lacuna sensível» e «pretende ser o órgão dum partido honroso: a educação física no nosso país». Pereira afirmava também que o jornal «é um brado contra a incúria dos governos que têm deixado definhar e morrer, à míngua de uma sã educação moral e física, milhares e milhares de cidadãos».

 Carlos Pereira assumiu-se mesmo como o articulista mais crítico da acção governamental. No segundo número de O Gymnasta, em 1 de Dezembro de 1878, atacou a inépcia dos governos monárquicos, por terem definido a ginástica como disciplina obrigatória no ensino primário sem que, para isso, tivessem criado as condições necessárias à sua execução. Lembrou ainda que «contavam-se às dezenas lá fora os ginásios: na França, na Alemanha, na Suécia, na Dinamarca, onde se cura de criar cidadãos fortes para o trabalho e onde o eco da palavra ginástica não é acolhido com o desfavor com que entre nós fere o ouvido de muito boa gente»[1]. Estas lamentações enquadravam-se no espírito dominante da época, marcado pelas Conferências do Casino, realizadas em 1871, no âmbito das quais Antero de Quental lembrou que «do espírito guerreiro da nação conquistadora», os portugueses haviam herdado unicamente «um invencível horror ao trabalho e um íntimo desprezo pela indústria»[2]. Com o objectivo de dar a conhecer o que se fazia a nível desportivo no resto da Europa, era comum aparecer na primeira página a secção «Notícias do Estrangeiro», como sucedeu no número 5, de 15 de Janeiro de 1879, com toda a capa a ser preenchida com uma notícia sobre a ginástica na Alemanha, retirada do jornal alemão Deufsche-Tum-Zeifung. Nessa edição, o periódico de Paulo Lauret contava com correspondentes no Porto, Tomar, Évora e Alenquer, mas nenhum no estrangeiro.

 Em Fevereiro de 1882, Paulo Lauret alargou a sua acção educativa ao Porto, onde fundou o Ginásio Lauret, numa casa da Rua da Picaria. E, em 1884, devido ao elevado número de alunos, passou para um edifício maior na Rua do Laranjal. Com o objectivo de promover a ginástica e o seu ginásio, Lauret decidiu publicar nesta cidade um novo O Gymnasta, em 26 de Março de 1882, com sede na Rua da Alegria. Era o primeiro jornal do género que surgia na Cidade Invicta e apresentava a mesma imagem gráfica do antecessor lisboeta, republicando também vários artigos. Voltaria a repetir-se o desfecho, terminando no número 6, em 15 de Junho de 1882, com problemas derivados da cobrança de assinaturas. Na década de 1880, Paulo Lauret faria mais uma incursão ao mundo dos periódicos desportivos, com outro O Gymnasta, novamente no Porto, em finais de 1888. Com uma capa muito bem ilustrada e centrado num noticiário mais pedagógico que informativo, este periódico voltou a ter vida curta, desaparecendo em Abril de 1889.

 [1] Nesta mesma altura, na Europa, alguns periódicos dedicavam-se à promoção da ginástica nos seus países, destacando-se a Bélgica, que contou com dois importantes divulgadores: Volksheil (1873-1887) e Bélgica (1895-1914).

[2] Antero de Quental proferiu  estas palavras  na conferência  «Causas da Decadência dos Povos Peninsulares», proferida em 27 de Maio de 1871, nas Conferências Democráticas do Casino Lisbonense .1875-1893: Primórdios da imprensa periódica desportiva