Um mestre português da ginástica na imprensa periódica do Rio de Janeiro

Autores: Meily Assbú Linhales, Ana Paula Gontijo da Fonseca

Filiação: Cemef / EEFFTO – Universidade Federal de Minas Gerais, Brasil

Meily Assbú Linhales – Licenciada em Educação Física pela Universidade Federal de Minas Gerais (1984) e Bacharel em Psicologia Clínica pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (1991). Mestrado em Ciência Política (1996) e Doutorado em Educação (2006), ambos pela Universidade Federal de Minas Gerais.  Professora da Escola de Educação Física, Fisioterapia e Terapia Ocupacional (EEFFTO) e do Programa de Pós-Graduação em Educação e Inclusão Social da Faculdade de Educação (FaE), na Universidade Federal de Minas Gerais.

 

PAULO LAURET: UM MESTRE PORTUGUÊS DE GINÁSTICA NA IMPRENSA PERIÓDICA DO RIO DE JANEIRO (1880-1918) 

RESUMO 

Esse estudo investiga a presença do mestre português Paulo Lauret na imprensa periódica da cidade do Rio de Janeiro. Descendente de pai francês, tornou-se especialista em ginástica e esgrima, chegando à cidade do Rio de Janeiro na última década do sec. XIX, onde iniciou atividades profissionais em escolas da cidade e no Gymnasio Lauret. Sua atuação no Brasil se fez a partir de uma experiência anterior, construída em Portugal, especialmente nas cidades de Lisboa e Porto. A imprensa periódica carioca foi aqui tomada como fonte na compreensão dos percursos desse mestre no Brasil. Encontramos, entre 1880 e 1939, um total de 290 citações, a maioria delas concentradas nas duas primeiras décadas do sec. XX. Esse número, em jornais de grande circulação no período, indicia a presença do personagem na cena cultural carioca. Destacam-se os muitos textos no formato de anúncio ou propaganda dos serviços que Paulo Lauret oferecia e parecia “saber-fazer” circular na imprensa, com bastante habilidade.

  1. INTRODUÇÃO

O presente estudo tem como propósito investigar a presença do mestre português Paulo Lauret na imprensa periódica da cidade do Rio de Janeiro.  Descendente de franceses tornou-se especialista em ginástica e esgrima e chegou à cidade do Rio de Janeiro na última década do sec. XIX, iniciando atividades profissionais em escolas da cidade e no Gymnasio Lauret – Sala D’armas e Centro de Educação Physica, por ele criado. Sua atuação no Brasil se fará a partir de uma experiência anterior, construída em Portugal, especialmente nas cidades de Lisboa e Porto. Operamos com o pressuposto de que os saberes e métodos sistematizados para uma educação do corpo em Portugal são trazidos por este mestre, quando escolhe viver no Brasil (Linhales, 2014). Em Portugal, as ações empreendidas por Lauret foram acompanhadas do exercício de sistematização e conseqüente publicação de uma série de manuais, entre os quais se destacam o Manual theoricopractico de gymnastica para uso dos lycéus, collegios, escolas municipaes e primarias, publicado em Lisboa, no ano de 1881 e o Guia para o ensino da gymnastica nas escolas do sexo feminino, publicado na cidade do Porto, em 1883. Também dirigiu o periódico intitulado O gymnasta e ministrou aulas em diferentes colégios. Embora com periodicidade descontínua, o jornal O Gymnasta teve expressiva visibilidade em Portugal, pelo pioneirismo do assunto que abordava e pelo fato de Paulo Lauret conseguir reunir médicos e educadores como seus principais colaboradores (Pinheiro, 2009). O mesmo é considerado o primeiro jornal dedicado à ginástica e à educação física em Portugal, além de publicar regularmente notícias sobre desportos.  No Rio de Janeiro, suas primeiras atividades são organizadas para a elite local, com ênfase em eventos amplamente divulgados nos jornais diários e, também, na atuação como docente em várias instituições de ensino. A partir das fontes documentais brasileiras e portuguesas (Lauret, 1881; 1883) observamos elementos de circulação de saberes e de sistematização dos modos de ensinar a Educação Física, disciplina que, no Brasil, experimentava um processo inicial de constituição como atividade escolar. Os documentos indiciam também que durante sua permanência no Rio de Janeiro este mestre realizou deslocamentos em seu campo de atuação, passando a priorizar a prática e o ensino da massagem terapêutica e outras atividades similares. Publica em 1907 a obra ABC do Massagista e assume, no ano de 1911, o cargo de massagista no Exército Brasileiro. Cria o Instituto de Mechanotherapia, Massagens e Exercícios Physicos; o que assinala mudanças nas ações dirigidas à elite. Os saberes metodicamente organizados, especialmente aqueles relativos ao ensino escolar da ginástica tomam uma nova configuração na qual a ênfase parece ancorar-se em referências médico-ortopédicas. Assim posto, o estudo explora fundamentalmente a operacionalidade das noções de circulação, trânsito e mediação cultural ao problematizar a singular presença de um mestre português na cidade do Rio de Janeiro. Como parte de uma investigação de maior escopo, priorizamos neste trabalho analisar suas atividades profissionais na Capital da República. Embora as fontes não permitam ainda precisar a data da chegada de Paulo Lauret ao Rio de Janeiro, a Gazeta de Notícias, de 12 de julho de 1896, notifica que Paulo Lauret foi contratado pelo Sr. Diretor do Collegio Abilio para dirigir as aulas de educação física daquele colégio. No mês seguinte, o jornal A Notícia, de 26 de agosto, informa a inauguração do Gymnasio Lauret e Sala D’armas, enfatizando os trabalhos com a ginástica higiênica.  A imprensa periódica carioca constituiu-se como fonte prioritária na compreensão dos percursos e ações do mestre português no Brasil. A partir do sistema de buscas da Hemeroteca Digital Brasileira, organizada pela Fundação Biblioteca Nacional, iniciou-se o levantamento documental, utilizando o termo “Paulo Lauret”. Por meio desse instrumento de pesquisa encontramos, entre 1880 e 1939, um total de 290 citações, a maioria delas concentradas nas duas primeiras décadas do sec. XX. Esse número indicia uma expressiva presença do personagem na cena cultural carioca, em jornais e revistas de grande circulação no período. Também são encontradas informações em periódicos de menor circulação ou naqueles cuja temática é dirigida a um público mais específico. Destacam-se os muitos textos no formato de anúncio ou propaganda dos serviços que Paulo Lauret oferecia e parecia “saber-fazer” circular na imprensa, com bastante habilidade. Talvez pelo fato de trazer na bagagem, entre outros utensílios, a experiência como editor do jornal O Gymnasta, na cidade de Lisboa, entre 1878-1879 e na cidade do Porto, ao longo da década de 1980.

  1. UM MESTRE EM FORMAÇÃO

Na década de 1860, Paulo Lauret foi aluno da Real Casa Pia de Lisboa, tendo lá chegado na condição de órfão e conduzido ao educandário por seu tutor, o merceeiro Antonio da Fonseca Salgueiral, no dia 19 de dezembro de 1862, para que recebesse a “necessária educação”. Conforme consta na Admissão nº 107, do Livro de Admissões da instituição 379, Paulo Alfredo Emílio Lauret lá chegou com onze anos. Uma criança franzina, pesando 30 kilos, embora com boas condições gerais de saúde. Em seu Exame de Instrução, realizado em fevereiro do seguinte ano, consta que sua leitura era “sofrível” e, quanto à escrita, conseguia realizar a “formação dos alfabetos”.[1]

Naquela época, a Real Casa Pia de Lisboa tinha como sede as dependências do Mosteiro dos Jerônimos, em Belém, e experimentava alguns movimentos de renovação em seu propósito educativo, tendo sido José Maria Eugênio de Almeida  nomeado, em 1859, para coordenar as grandes e necessárias reformas que tornaria a Casa Pia, na década seguinte, uma instituição modelar para atender aos 600 meninos que lá chegavam. A higiene e as normas e rotinas sanitárias modificadas compuseram com destaque o novo projeto, bem como os campos de recreios e jogos que passaram a ocupar lugar de destaque na missão educativa. A prática da ginástica foi restabelecida, mas com modificações, pois constava entre os cuidados físico preconizados e largamente defendidos pelo reformador, para a educação das crianças:

 “ar puro durante o dia e a noite, limpeza do corpo e das roupas, exercícios físicos e recreios, alimentação suficiente e própria, visitas sanitárias frequentes” (ROCHA e SEQUEIRA, 1980, p.32)

Embora estivesse presente na Casa Pia desde a década de 1830, a prática da ginástica foi criticada por suas ênfases na “arte acrobática”, durante o período em que teve como mestres os professores Antonio Herculano Rolder e também Baldini e Delaney (ROCHA e BARRETO, 1987). No ano de 1860, chega à instituição o mestre francês Jean Rouger, mandado buscar especialmente na Ecole Normale de Saint-Cir, em Paris, e com ele as mudanças experimentadas no ensino de ginástica.

A partir de 1862, Rouger introduz os “primeiros aparelhos de ginástica e exercícios cientificamente organizados” (220 anos da Casa Pia…p.87), ordena as turmas de alunos combinando idade e capaciadade física, complementa exercícios diários de ginástica com banhos de mar realizados próximo à Torre de Belém. Também organiza apresentações de ginástica e evolução, conferindo visibilidade pública para o trabalho educacional e higiênico propiciado pelas reformas recentes. As apresentações dos alunos casapianos provocaram que o ensino de ginástica fosse também adotado ou ampliado por outras escolas de Lisboa (ROCHA e SEQUEIRA, 1980).

Quanto à sistematização do trabalho, o mestre Rouger também criou séries de exercícios, sistematizadas posteriormente no Documento 38 – Resumo do Programma da Aula de Gymnastica (1881). Dividido em três partes, o programa apresenta uma gama de exercícios ginásticos com e sem aparelhos. Note-se que Jean Rouger também é citado como inventor e construtor de aparelhos de ginástica. As caracterísiticas do trabalho desse mestre que permaneceu na Casa Pia até 1884, são impressionantemente similares às que encontramos naquele que se tornou um de seus mais destacados discípulos.

O franzino aluno Paulo Lauret, desde sua chegada logo se envolveu com a prática da ginástica, tornando-se aluno de destaque para Jean Rouger. Em seu prontuário, consta o seguinte registro do Diretor Interino, em : “mostrou muito gosto pelos exercicios gymnasticos, desde sua admissão, e tem mostrado nos últimos anos aptidão para ensinar a gymnastica aos outros allunos”.380  Nesses termos, podemos afirmar que foi a Real Casa Pia de Lisboa, a escola de formação do Mestre Lauret. Também merecedor de destaque é a reverência que o mesmo fará sempre ao seu professor francês, até depois de seu falecimento.                                                     380 Livro de Admissões…op. cit.

Os documentos que compõem o processo de saída de Paulo Lauret, depois de quase 08 anos na instituição (Real Casa Pia – Baixa nº 641- 12/12/1869), indicam como justificativa para sua saída o convite para ocupar, com 17 anos incompletos, o cargo de mestre de ginástica no Seminário de Coimbra. Sua capacidade para responsabilizar-se pela própria vida e sustento, bem como para exercer de modo autônomo o ofício que aprendera com seu mestre, serão atestados como condição para deixar o educandário. Nos vinte anos seguintes, atuou prioritariamente nas cidades de Lisboa e Porto. A produção dos manuais de ginástica e a editoria de O Gymnasta revelam intensa atividade intelectual, associada às aulas ministradas em colégios e também em sua próprio ginásio. Na última década do sec. XIX, toma a decisão de migrar para o Brasil, que acabava de se tornar uma República.

  1. NA IMPRENSA PERIÓDICA CARIOCA

A presença de Paulo Lauret nos jornais cariocas a partir da década de 1890 corrobora a constatação de que sua chegada e permanência no Rio de Janeiro não se fizeram sem um exercício de visibilidade na cena pública. São variados os anúncios de seus feitos, bem como as propagandas de seu Gymnasio, que assumiria diferentes endereços e convênios durante o período no qual Lauret buscava afirmar um ensino de ginástica e esgrima com características bastante personalistas.  “O conhecido professor de gymnastica e esgrima o Sr. Paulo Lauret, de accordo com os directores de diversos estabelecimentos de educação, resolveu abrir uma matricula para seus cursos nos seguintes pontos da capital e Nictheroy: S. Cristovao,Gymansio Pio Americano, Tijuca…” (Jornal do Brasil, 4 de maio de 1901, p.2). Em jornais de grande circulação encontramos anúncios de aulas no Gymnasio Lauret e Sala D’Armas, notícias relativas aos saraus e concursos de ginástica e esgrima que promovia – nos quais atuava também como júri –, apontamentos sobre sua presença em festas e inaugurações e, ainda, expressivos cumprimentos anuais por ocasião da data de seu aniversário. Na medida em que diversificava suas atividades, encontramos também o Gabinete Lauret, no qual as atividades de massagens passariam a ser mais enfatizadas, como novidades eficientes para vários males.

Tomando a imprensa periódica como fonte principal nesse estudo, ressalta-se o volume de citações encontradas a partir de uma busca nomeada “Paulo Lauret”. Considerando que os impressos periódicos – jornais e revistas – possuiam ampla circulação na Capital da Repúbica na última década do sec. XIX e nas primeiras do sec. XX, pode-se supor que Lauret apostou taticamente na divulgação de suas atividades junto a uma potente imprensa modeladora dos costumes e das idéias em circulação na sociedade.

Podemos destacar a presença de Paulo Lauret em diversos impresssos periódicos do Rio de Janeiro. Na década de 1890, o professor é mencionado em 9 diferentes impressos, na década de 1900 em 17 e, na década de 1910, Paulo Lauret é citado em 15 jornais em circulação na capital da República. É importante elencar que as ocorrências na imprensa carioca são encontradas tanto em jornais, tais como a “Gazeta de Notícias”, o “Jornal do Brasil”, a “Gazeta da Tarde”, o “A Notícia”, o “Jornal das Moças”, etc., quanto em revistas: “O Malho”, “Tagarela”, “A Vida Elegante”, entre as mais recorrentes.

Considerando o conteúdo das informações contidas nas publicações que citam Paulo Lauret, é interessante observar a quantidade de anúncios do seu trabalho com a ginástica, as massagens terapêuticas e a esgrima. Nas duas primeiras décadas do sec. XX encontramos 80 anúncios, evidenciando uma boa presença e esforços na divulgação do seu trabalho. Ainda podemos interrogar se os editores dos jornais tinham algum tipo de interesse na publicação dos anúncios ou se Lauret pagava por eles. As fontes não nos permitem confirmar sobre isso. O grande volume e variedade de citações foi tomado como fontes a demandar investigações e questionamentos sobre o modo como Lauret fez circular seu trabalho no Rio de Janeiro, depois de uma larga e reconhecida experiência em terras portuguesas. Apostamos nos ensinamento de António Nóvoa quando afirma que é difícil encontrar um outro corpus documental que traduza com tanta riqueza os debates, os anseios, as desilusões e as utopias que têm marcado o projeto educativo nos últimos dois séculos. Todos os atores estão presentes nos jornais e revistas: os professores, os alunos, os pais, os políticos, as comunidades… As suas páginas revelam, quase sempre o “quente”, as questões essenciais que atravessaram o campo educativo numa determinada época.

A escrita jornalística não foi ainda, muitas vezes, depurada das imperfeições do cotidiano e permite, por isso mesmo, leituras que outras fontes não autorizam. Por outro lado, é através deste meio que emergem “vozes” que têm dificuldade em se fazerem ouvir noutros espaços sociais, tal como na academia ou no livro impresso (NOVOA, 2002, p 30-31.).

A atuação de Paulo Lauret em estabelecimentos de ensino foi também prescrutada na imprensa. Além do Colégio Abílio, onde iniciou a docência de ginástica em 1896, os jornais informam que, ao longo das décadas de 1900 e 1910, Lauret atuou em vários educandários do Rio de Janeiro e de Niterói, tais como o Colégio Diocesano de São José, o Colégio Pio Americano, o Colégio São Carlos e o Instituto de Ensino Rio Comprido. É possível que atuasse em diferentes colégios simultaneamente, como era sua prática nas cidades de Lisboa e Porto (Ferreira e Ferreira, 2001).

Todavia, não nos parece que a condição de professor em colégios tenha sido sua prática mais relevante no Brasil, embora no ano de 1896 tenha publicado na imprensa um artigo no qual defendia a escola como a “primeira iniciadora dos cidadãos…para a defesa da Pátria” (Gazeta de Notícias, 27 de outubro de 1896). Tal argumentação é parte constitutiva do texto intitulado Da Educação Physica…Gymnastica que, por sua extensão, foi publicado em três parte distintas, nos dias 25, 27 e 28 de outubro (Gazeta de Notícias, 1896). Nessa divulgação de ideias, o autor recorre a Montaigne e Rabelais para ressaltar que a boa educação não deveria prescindir de uma igual preparação para o espírito e o corpo. Cita os gregos e destaca que a arte da música e da ginástica foram constitutivas da civilização helênica (Gazeta de Notícias, 25 de outubro de 1896). Depois de recorer à antiguidade clássica como berço fundador da arte de exercitar o corpo, Lauret aponta a Escandinávia, a Alemanha e a Suiça como exemplos da civilização moderna, capazes de compreender a importância de uma educação integral. Nesse aspecto, Spencer é o autor chamado ao texto para conferir consistência à argumentação.  “As nações viris, de feito, não se conseguem formar se não pela cultura paralela e reciproca do corpo e do espírito, que não podem absolutamente desquitar, senão para gerar anomalias e monstros. A educação, como hoje se comprehende, deve ter por fim o desenvolver harmonieamente todas as energias e faculdades que completam o individuo.” (Lauret, Gazeta de Notícias, 27 de outubro de 1896)

Também endossa a tese de que a ginástica de feições militares teria utilidade na escola. A mesma é apresentada como sinônimo da “ginástica metódica” e, nesse ponto, cita a Suécia, a Alemanha, a França e a Itália como países que incluem os exercícios militares como parte da educação escolar. Portugal e Espanha são também chamados ao texto por estarem, à época, buscando implementar tais proposições.

É hoje sabida e reconhecida por todos a utilidade dos rudimentos da gymnastica militar. (Assim o entende o Exm. Sr. Dr. Abilio Borges, digno e intelligente director do collegio Abilio, que muito nos honrou convidando-nos para professor do seu collegio, logar que occupamos durante dous mezes e que com pezar nosso fomos obrigados a abandonar pelos muitos afazeres). A precisão, a decisão e a energia dos movimentos militares constituem a par d’um excellente meio de cultivo das forças corporaes, um dos mais efficazes factores na educação do caracter viril. (Lauret, Gazeta de Notícias, 27 de outubro de 1896). No jogo da argumentação, na última parte do artigo, destaca que não caberia à escola preparar nem ginastas, nem militares: “Não pretendemos que se formem aerobatas nem Hercules; mas queremos e pedimos que se desenvolva a criança o quantum de vigor physico essencial ao equilibrio da vida humana, á felicidade da alma, á preservação da patria e á dignidade da especie.” (Lauret, Gazeta de Notícias, 28 de outubro de 1896).

Os argumentos estabelecidos por Paulo Lauret em defesa da escola, indiciam uma aposta republicana no papel da educação popular: “Para nós é crença que só da escola deve sahir tudo: attenção forte e viva, obediencia prompta, império do indivíduo sobre si mesmô, paciência, respeito ás leis e ás auctoridades, amor civico, verdadeiro patriotismo, etc., etc. Podem reformar tudo, se quizerem, mas se a escola for descurada, tudo será perdido, tudo será inútil, porque faltará uma educação popular verdadeiramente nacional e cívica. E’ a escola o berço onde se embalam as futuras gerações.” (Lauret, Gazeta de Notícias, 28 de outubro de 1896).

Resta-nos interrogar se suas convicções não sofreram resistências daqueles que, na ainda jovem república brasileira, consideravam fora dos costumes uma educação que, oferecida para todos, preparasse para o “império do indivíduo sobre si mesmo”. Algo que a mentalidade escravocata talvez tivesse dificuldades de compreender e assimilar. De todo modo, esse texto de Lauret é um libelo em defesa da escola e, também, uma declaração de seu compromisso para com o ensino da ginástica. O autor escolhe as seguintes palavras para encerrar o conjunto dos argumentos: “Não tenho pretenções, estou dentro do cumprimento de deveres que impuz a mim mesmo ha vinte e oito anos: ‘A propaganda do ensino da gymnastica racional.’ ” (Lauret, Gazeta de Notícias, 28 de outubro de 1896).  De fato, no ano de 1896, o mestre Paulo Lauret completava 28 anos de dedicação ao ensino da ginástica, desde a sua saída da Real Casa Pia de Lisboa. Concomitante ao ensino da ginástica nas escolas e o seu trabalho com a esgrirna, Lauret promoveria ajustes paulatinos nos serviços oferecidos à sociedade carioca. Os documentos indiciam que este mestre realizou descolamentos em seu campo de atuação, passando a incluir – e posteriormente priorizar – a prática e o ensino da massagem terapêutica e outras atividades similares.  Na década de 1910 foi naturalizado brasileiro (Correio da Manhã, 23 de maio de 1911) e assumiu a função de massagista junto ao Hospital Central do Exército a ao Hospital Nacional Brasileiro. Suas aproximações com o exército brasileiro, a ponto de redundarem em uma contratação, foram antecedidas de serviços oferecidos gratuitamente ao comando superior da Guarda Nacional da Capital (A Imprensa, 16/10/1898). Naquele mesmo ano, no jornal O Dia, de 1º de setembro, Paulo Lauret é mencionado como inventor de um aparelho de ginástica:  “PRIVILÉGIOS DE INVENÇÃO Relação dos títulos de garantia provisória concedidos de accordo com o regulamento que acompanhou o decreto 8.820 de 30 de dezembro de 1882 pelo prazo de três anos durante o ano de 1909 […] N. 48 – 2 de agosto, Paulo Lauret, portuguez, Massagista e professor de gymnastica e esgrima, Rio de Janeiro – Para aparelho denominado Machina para movimentos passivos, com aplicação na therapeutica e na orthopedia e destinada a fazer a alta massagem” (O Dia, 1º de setembro de 1910) Assim, sengundo os ensinamentos de seu mestre Jean Rouger,  dedicou-se também à inveção de equipamentos aparelhos de ginástica,  para diferentes finalidades e uso em diferentes espaços. No ano de 1913, cria o Instituto de Mechanotherapia, Massagens e Exercícios Physicos, o que de fato assinala mudanças nas ações dirigidas à elite. Nesse Instituto, dirigido por Lauret e sua “Senhora” eram oferecidos exercícios e atividades terapêuticas em diferentes tipos de aparelho. Mais uma vez foi notificado o invento de Lauret, agora Jornal das Moças, de 28 de fevereiro de 1918: “Desde tempos immemoriaes que os hygienistas recommendam a inalterabilidade do equilíbrio das funcções organicas, o exercicio physico, feito diariamente pela manhã. Muitas enfermidades, com especialidade das paralysias e deformações physicas, cedem, na maioria dos casos, ao uso da gymnastica. Existe, para este fim, nesta capital á rua Evaristo da Veiga n. 6, um estabelecimento organisado a capricho. Gentilmente convidados pelo seu proprietário e fundador, sr. dr. Paulo Lauret, dirigimo-nos ao Instituto de Mechanotherapia, Massagens e Exercícios Physicos. (…) O sr. Dr. Lauret mostrou-nos um engenhoso e complicado apparelho de seu ivento, cujo funccionamento põe em actividade todas as particularidades do seu organismo (…) O systema posto em pratica pelo dr. Lauret, tem sido applicado com resultados maravilhosos não só aqui como na Europa e para corroborar o que afirmamos diremos que ao dr. Lauret foram confiados os seguintes premios: “Medalha de prata” Club Gymnastico Portuguez Lisboa, 1892; “Medalha de ouro” no concurso de educação physica – Badajoz, 1892; diplomas: Gymnasio Heyser – Paris, 1884;  Gymnasio Hygienico – Madrid, 1882; Gymnasio Social – Badajoz, 1892; Club Gymnastico Portuguez – Lisboa, 1892; e Club Gymnastico Portuguez – Rio, 1897.” Dessa maneira, as ações educativas do Mestre Lauret na sociedade carioca foram reinventadas, modificadas e, sempre, por ele divulgadas, num esforço que dá a ver uma singularidade desse sujeito que tenta, de variadas formas, dar visibilidade ao seu trabalho e aos seus modos de ensino. Nos jornais, também foram encontrados anúncios relativos à circulação e venda de alguns de seus livros. Especialmente o “Manual theórico-pratico de gymnastica” e o “ABC do Massagista” são anunciados, não só em jornais do Rio de Janeiro, mas também na imprensa de São Paulo, Minas Gerais e Pernambuco. Os saberes metodicamente organizados, especialmente aqueles relativos ao ensino da ginástica, tomam uma nova configuração depois de 1910, na qual a ênfase parece ancorar-se em referências médico-ortopédicas, mais terapêuticas do que pedagógicas.

CONTINUIDADES

As ações do Mestre Lauret, prescrutadas a partir da imprensa periódica do Rio de Janeiro, constituem uma primeira etapa de investigação, pois outras fontes nos permitem confirmar elementos de circulação de suas contribuições em outros estados brasileiros, demandando, assim, novos investimentos de pesquisa. Também consideramos necessário ampliar os estudos que permitam melhor compreender os motivos de sua vinda para o Brasil, já que nas cidades de Lisboa e Porto confirmam-se ações pedagógicas bem sucedidas e de grande contribuição à história da ginástica e da educação física em Portugal. Além disso, está em nosso horizonte de possibilidades investigar as ações do professor Lauret nos colégios cariocas tais como o Colégio Abílio, o Colégio Diocesano São José e o Colégio Pio Americano, de modo que possamos compreender se dialogou com outros sujeitos, brasileiros ou também estrangeiros que, no mesmo período, já sistematizavam contribuições para o ensino da ginástica e da educação física no âmbito escolar e fora dele.

Em trabalho anterior (Linhales, 2014), destacamos que os manuais produzidos por Paulo Lauret tiveram expressiva circulação entre educadores e instituições de ensino brasileiras (Teixeira, 2004; Fonseca, 2013) além de ter sido claramente copiado por Antônio Martiniano Ferreira, na publicação de seu Compendio Pratico de Gymnastica para uso em Escolas Normaes e Primárias, em Ouro Preto, Minas Gerais, no ano de 1897. Dar continuidade aos estudos sobre essas práticas de apropriação constituem o caminho a ser ainda percorrido pelas investigações que buscam balizar a importância desse mestre português no Brasil, no contexto de sua época e no processo de modelagem da Educação Física como prática escolar nos dois países.

 BIBLIOGRAFIA

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[1] Acervo do Centro Cultural Casapiano. R.C.P. de Lisboa. Livro de Admissões, baixas e outros documentos. nº101 a 125. Admissões de 1863.