O Ensino da Educação Física em Portugal

Jorge Castanheira de Oliveira

Professor de Educação em Coimbra. Doutorado em Ciências da Educação, na especialidade de Historia da Educação, pela Faculdade de Psicologia e de  Ciências da Educação da Universidade de Coimbra.

O Ensino da Educação Física em Portugal. Difusão e Implementação da Ginástica Sueca em Portugal na Primeira Metade do Século XX.

3. Os precursores do método de Ling em Portugal 

Nos finais do século XIX o panorama da educação física portuguesa continuava muito limitado. Na escola pública a disciplina praticamente não existia e não havia perspectiva para que a situação se invertesse, uma vez que existiam problemas de formação de professores, de instalações e de mentalidades. Somente algumas instituições como, por exemplo, a Casa Pia, o Colégio Militar e poucos colégios privados a incluíam na formação dos seus alunos de forma regular, utilizando as metodologias francesa e alemã.

Apesar desta situação, começavam a surgir em Portugal algumas informações sobre o sucesso da ginástica na sua variante médica. Essas primeiras notícias provinham da França e da Alemanha, onde existiam ginásios específicos, sendo a referência principal o Instituto Ortopédico e Médico-Ginástico de Leipzig, dirigido por Daniel Schreber. O livro deste médico, “Gymnastica Domestica, Medica e Hygienica”, que teve várias edições na Alemanha, é, em 1879, editado na língua portuguesa. Para além desta obra, também surgiram no país alguns livros, em francês, de autores como Le Blond, Lagrange e Joseph Schreiber.

A ginástica médica passava a ser vista por algumas personalidades portuguesas como um ramo importante da educação física. Foi neste contexto que Paulo Lauret a introduziu nos seus ginásios e Alfredo Dias criou um instituto «mechanotherapico». Seguindo a evolução desta ginástica na Europa, estes professores foram os precursores da ginástica médica de Ling em Portugal, tendo utilizado alguns dos seus exercícios nos estabelecimentos que dirigiam.

3.1.   Paulo Lauret

  Paulo Alfredo Emílio Lauret (1852-1918) nasceu na Espiçandeira, concelho de Alenquer, filho de Ana de Jesus Piedade e Paul Émile Lauret1, oficial francês que veio para Portugal durante as guerras liberais2. Após essas guerras, Paul Émile Lauret tornou-se capitão do Exército português e, posteriormente, dedicou-se à agricultura no concelho de Alenquer3. Com as convulsões da Patuleia4, Paul Émile Lauret voltou a juntar-se aos liberais, tendo sido um dos derrotados da batalha de Torres Novas e feito prisioneiro pelo Marechal Saldanha. Conta-se que Paul Émile Lauret se apaixonou pela filha do Marquês de Sá da Bandeira, Luísa Aglaé Fanny Sá da Bandeira. Para se evitar o escândalo, o Marquês enviou a sua filha para França5.

Aos nove anos Paulo Alfredo Lauret ficou órfão de pai e de mãe, tendo sido internado, em 1863, na Real Casa Pia de Lisboa6. Nesta instituição, Paulo Lauret rapidamente demonstrou grande aptidão para a realização de exercícios físicos, espírito de liderança e interesse pelos outros7. Esta predisposição levou Jean Rouger a prepará- lo para ser professor, o que viria a suceder em 1867, quando a direcção o nomeou para professor adjunto à classe de ginástica8.

Em Dezembro de 1869,  Paulo Lauret foi leccionar a ginástica para o Seminário de Coimbra, por iniciativa do Bispo D. Manuel Correia de Bastos Pina9, que considerava ser necessário proceder- se a melhoramentos na instituição, com a finalidade de promover o bem-estar dos alunos. Dentro desses melhoramentos, encontrava-se a construção de um ginásio e a terraplanagem de um espaço, para a construção de um parque. Este terreno seria destinado às aulas de ginástica e também ao recreio dos alunos. As palavras do prelado indicam bem quanto era defensor da prática da educação física:

«Apregoam-se hoje tanto os beneficios produzidos pela gymnastica no robustecimento e desinvolvimento da mocidade, que o vigor e força que se notam nas gerações d’alguns paizes, chega a ser attribuido não só á influencia do clima, mas tambem em grande parte á frequencia dos exercicios gymnasticos. Seja porém como for, é certo que neste paiz, onde a educação physica da mocidade tem sido muito desprezada, apparecem as gerações debeis, pouco sadias, e a definhar.

É de absoluta necessidade olhar attentamente para este mal, que muito deve preoccupar todos aquelles que têm obrigação mais directa de velar pela conservação e bem-estar da sociedade portugueza: e o Seminario de Coimbra, para n’esta parte não poder ser arguido de desleixo, vae estabelecer uma eschola de gymnastica com mestre discreto e prudente, e com uso mais prudente ainda.

O intelligente e zeloso director das obras publicas d’este districto que me tem auxiliado nas obras do Seminario, teve a bondade de mandar levantar a planta para as alamedas, a que já me referi, e para a casa que junto a ellas deve construir-se para a sobredita eschola»10.

Mas estas opções estavam ainda longe de serem consensuais. Havia os entusiastas e os que logo entendiam poder desfazer o que outros tentaram organizar.

Isso surge como evidente na Misericórdia de Coimbra em meados da segunda metade do século XIX.

De facto, Paulo Lauret também leccionou na Misericórdia de Coimbra, nos anos de 1870 e 187111, por iniciativa do seu provedor, o Par do Reino Miguel Osório Cabral, que, influenciado pelo trabalho de José Maria Eugénio, mandou construir um ginásio12. Os resultados   foram   excelentes,   mas    rapidamente o projecto cessou, em virtude do mandato de Miguel Osório Cabral ter terminado. Segundo as palavras de Augusto Filipe Simões, o  Provedor foi decidido:

«Fez preparar o gymnasio em sitio conveniente e dar principio aos exercicios. Appareceram logo os effeitos salutares da gymnastica, entre os quaes se tornou notavel a cura de um rapaz que padecia do peito e deitava escarros de sangue. Mas a administração, sendo annual, foi dentro em pouco substituida por outra, que inutilisou quanto a primeira fizera e até plantou couves no gymnasio. Há pouco tempo conservavam ainda o trapesio numa casa de cerca, onde os orfãos se entretinham fazendo gymnastica por sua conta e risco e sem direcção nenhuma!»13.

No Seminário de Coimbra, Paulo Lauret também não teve vida fácil e o sucesso pretendido. Auferindo um vencimento mensal de dez mil reis, recebia o salário mais baixo dos professores do Seminário, que recebiam entre vinte e trinta mil reis, por mês, com a excepção do professor de retórica (treze mil reis) e do professor substituto (quinze mil reis). Como é evidente, a ginástica estava longe do prestígio das outras disciplinas. Ela, na melhor das situações seria vista como subsidiária da condição física dos seminaristas, pois, como é espectável, nem tinha direito a ser colocada ao lado das disciplinas que estavam sujeitas a avaliação14. Paulo Lauret ainda iniciou o ano lectivo de 1870-71, mas em Março deixou de trabalhar no Seminário15. Pensamos que a ginástica deixou de fazer parte do plano de estudos daquela instituição.

De regresso a Lisboa, Paulo Lauret passou a leccionar em diversas instituições da capital como, por exemplo, nos colégios de António Joaquim Abranches, Barros Proença e Roeder, e, posteriormente, nos de G. Wiperman e Balbina Raphael. Em 1876, foi nomeado professor de ginástica na Escola Moderna, que na altura era dirigida por F. I. Durão, tendo ocupado o cargo durante quatro anos16.

Em 15 de Novembro de 1878, Paulo Lauret editou o primeiro número do “O Gymnasta”, periódico bi-mensal de educação física, que era elaborado no Largo do Stephens n.º 2, local onde também leccionava as lições de ginástica. Este periódico pretendia ser:

«…um brado contra a incuria dos governos que, adormecendo á sombra de louros colhidos às vezes no campo do desperdicio, teem deixado definhar e morrer á mingua de uma sã educação moral e physica milhares de cidadãos»17.

Para além desta tarefa de redactor, Paulo Lauret ainda era importador de aparelhos e materiais de ginástica da Casa Carue, de França18.

No dia 7 de Fevereiro de 1880, Paulo Lauret casou-se com Maria Ana  Stattmiller de Saldanha Albuquerque (1853-1914), condessa de Ega, oriunda de uma família antiga e fidalga, que estava em fase de decadência, após a revolução liberal19, mas não abandonou a sua actividade e o seu esforço no desenvolvimento da ginástica em Portugal.

No ano seguinte, Paulo Lauret publicou o “Manual Theorico-Pratico de Gymnastica”, influenciado pelas obras de Filipe Simões, D. António Costa20 e Simões Raposo21, mas fundamentalmente apoiada na literatura francesa, alemã e espanhola.

Paulo Lauret considerava a ginástica «…como a arte de desenvolver o organismo por meio de exercícios bem dirigidos»22, e dividia-a em três partes, de acordo com a sua aplicação; a ginástica regeneradora tinha como função robustecer a pessoa débil, através do aumento de volume de todos os músculos; a ginástica preventiva que procurava através dos seus exercícios evitar o aparecimento de grande número de doenças; a ginástica médica tinha como objectivo curar algumas doenças do ser humano como, por exemplo, as doenças nervosas e a obesidade23.

No seu método, Paulo Lauret dividia os exercícios em activos e passivos. Os primeiros procuravam manter em acção, «de uma maneira mais ou menos violenta», o sistema muscular. Eram estes exercícios como a marcha, a corrida, o salto, a caça, a esgrima, a equitação e todos os exercícios com aparelhos móveis ou fixos (alteres, massas, barras, paralelas, barras fixas, argolas e cavalo) que contribuíam para o desenvolvimento muscular e a agilidade24. Por sua vez, os segundos compreendiam «os exercícios devidos a uma potencia exterior applicada sobre todo o corpo ou sobre uma das suas partes, como a navegação à vela ou a vapor, o passeio de trem, em cadeirinha, etc.» e contribuíam para melhorar as funções dos órgãos internos25.

Nos exercícios sem aparelhos, verificamos muitas semelhanças com os utilizados pelo médico alemão Schreber, que considerava o seu sistema de simples, mas activo, sendo constituído por exercícios que abrangiam todos os músculos do corpo humano. Em sua opinião, as características do seu sistema eram muito diferentes das do sistema sueco:

«Os variados movimentos, adiante descriptos, abrangem todos os musculos do corpo humano, e acham-se no presente livro reunidos e combinados de modo a formarem um systema de gymnastica simples, mas francamente activa, que em geral, e em consequencia da sua origem, é designada com o nome de gymnastica allemã, para se differençar da chamada gymnastica sueca, a qual apresenta apenas um meio termo de actividade, e consiste na maior parte dos casos, em complicados movimentos de resistencia, de que pouca ou nenhuma utilidade resulta, e que só podem ser executados com auxilio de pessoas estranhas, ou em attitudes forçadas e destituidas de movimentos»26.

Os aparelhos de ginástica que Paulo Lauret utilizava na sua metodologia eram usados nas melhores escolas europeias. Paulo Lauret ainda preconizava a utilização de aparelhos ortopédicos, porque os considerava como um dos mais importantes passos conquistados pela ginástica. Destes aparelhos, Paulo Lauret dava especial atenção aos do espanhol Joaquín Lladó27, de Jules-Léandre Pichery e da metodologia sueca. Paulo Lauret, que considerava Ling como o «verdadeiro propagador da gymnastica medical»28, era um bom conhecedor do que se passava no Instituto Central e Real de Ginástica de Estocolmo. Ele refere aquela instituição como tendo várias funções. Diz ele:

«O instituto central e nacional tem por objecto: 1.º servir de academia para o estudo scientifico da gymnastica; 2.º formar professores de gymnastica para as universidades, collegios e escolas publicas; 3.º fornecer ao exercito e á armada officiaes instructores de gymnastica pedagogica e militar; 4.º offerecer aos que desejarem applicar-se ao ensino da gymnastica os meios para estudar esta sciencia e pratical-a racionalmente»29.

Em Dezembro de 1880, Paulo Lauret aceitou um convite para leccionar no Colégio Francês do Porto, instituição que dispunha de boas instalações para a prática da ginástica.

Quinze dias após a sua chegada ao Porto, Paulo Lauret recebeu um novo convite, desta vez do médico Couto dos Santos, para montar o ginásio do «Instituto Sanitario Hydroterapico». Paulo Lauret levou a sua missão até ao fim, tornando o ginásio num espaço com excelentes condições. É ele próprio que testemunha tal situação numa das suas obras:

«…fomos procurados pelo Exmo. Snr. Dr. Couto dos Santos e nos foi proposto o fazer montar um gymnasio, segundo todos os preceitos da hygiene, ideia que se realizou; pois sem vacillar podemos affiançar que o gymnasio do Instituto Sanitario Hydroterapico é o que em Portugal se acha montado em melhores condições, para corresponder ao fim a que se propõe»30.

No dia 9 de Outubro de 1881, Paulo Lauret foi nomeado professor auxiliar da Escolas Normais do Porto, leccionando a ginástica na escola do sexo masculino. No ano lectivo seguinte, também passou a ensinar na escola do sexo feminino31.

Em 11 de Fevereiro de 1882, Paulo Lauret fundou no Porto, no Largo da Picaria, o Gymnasio Lauret e Sala D’Armas. Com o sucesso que teve nos primeiros anos, Paulo Lauret transferiu-se, em 24 de Julho de 1884, para o Largo do Laranjal 4- 1.º andar32.

No Porto, Paulo Lauret voltou a publicar “O Gymnasta”, que passou a ser quinzenal, saindo o número um, desta nova série, no dia 26 de Março de 1882. Nele escrevia:

«O Gymnasta nasceu do amor á causa  da  humanidade,  que  precisa fortalecer-se, regenerar-se no corpo, para se proporcionar com mais vantagem a educação do espírito.

Appellamos para a boa vontade das pessoas illustradas, appellamos para o publico que nos ler, e convidamos todos a envidar os maiores esforços para que se cuide no nosso paiz de educação physica, que até aqui se tem quasi completamente descurado, e disse»33.

Paulo Lauret convidou Filipe Simões para realizar diversos artigos sobre a educação física, mas também aproveitou a publicação para dar a conhecer a vida do Gymnasio Lauret, bem como abordar assuntos relacionados com a ginástica como, por exemplo, os materiais e a história.

Ainda em 1882, as Escolas Normais do Porto iniciaram o processo de construção dos ginásios para as duas escolas, cabendo a Paulo Lauret a função de supervisor34.

Em 1883, quando se estava a tratar da reforma da instrução, Paulo Lauret publicou no “O Gymnasta”, as bases em que devia assentar o ensino obrigatório da ginástica. Para ele, a ginástica tinha como finalidade o desenvolvimento do corpo, a conservação da saúde e da força, a resistência à fadiga e a destreza corporal. A ginástica também devia fazer parte de uma educação completa e, por isso, o seu ensino tinha que conter as três grandes partes da educação: física, moral e intelectual35.

Desta forma, Paulo Lauret definia a lição de ginástica como:

«…o conjunto de meios proprios para attingir no menor espaço de tempo possivel, tendo em conta as exigencias sociaes, o fim precedentemente definido, conservando-lhe todos os seus caracteres hygienicos, intelligentes e moraes»36.

Assim, a lição de ginástica para ter qualidade devia respeitar três pontos que, na referida publicação, eram assim estipulados:

«1.º Deve ser dada em tempo e logar opportunos; é necessario um vestuario especial.

2.º Deve ser completa e util.

3.º Deve ser graduada, interessante conduzida com ordem e energia»37.

No primeiro ponto, Paulo Lauret referia-se às condições que deviam existir para a realização da lição de ginástica. Salientava o facto de não ser aconselhado a realização de esforços físicos logo após as refeições; as vantagens da realização das lições ao ar livre, embora estivessem dependentes das condições do tempo; a qualidade do piso para a realização das lições; os cuidados a ter nos locais fechados como, por exemplo, a poeira, a iluminação a gaz, a humidade dos vestuários. Paulo Lauret ainda dava especial atenção à utilização de vestuário específico para a lição de ginástica, nomeadamente, o uso de camisola de flanela com mangas, calças sem bolsos ligeiramente justas às pernas, cinto elástico e botas sem tacões e de sola larga. Este vestuário só devia ser utilizado nas lições de ginástica e o aluno devia tomar banho de água fria depois dos exercícios38.

No segundo ponto, Paulo Lauret considerava que uma lição era completa se:

«…todas as articulações forem postas em jogo, se todos os movimentos que ellas comportam forem largamente executados, mesmo aquelles que se praticam menos na vida ordinaria ou tem na profissão do discipulo um predominio maior»39.

A lição de ginástica para ser completa não devia produzir cansaço ou esgotamento das forças nos alunos. Também tinha de ser útil, porque era usada como meio de desenvolvimento e de aplicação ao Exército e ao manuseamento de armas40.

No terceiro ponto, Paulo Lauret considerava que a lição devia ser graduada, porque tinha de respeitar as diferenças de idades e as capacidades físicas dos alunos. A lição também devia ser interessante para os alunos, o que significava que o professor tinha de utilizar exercícios variados e explicar sobre a sua utilidade. Por fim, a lição devia ser conduzida com ordem e energia, de forma a não se perder tempo, o que obrigava o aluno a «acostumar-se a saber obedecer, a disciplinar o seu corpo e o seu espirito»41.

Ainda no ano de 1883, Paulo Lauret publicou o livro “Guia para o Ensino da Gymnastica nas Escólas do Sexo Feminino”, dedicado à sua colaboradora Violante Stattmiller42. Nesta época, já era obrigatório a realização de exercícios de ginástica nas escolas primárias do sexo feminino. Esta situação deve-se ao ministro António Rodrigues Sampaio que, em 1878, fez a reforma da instrução primária, onde a ginástica surgia no currículo do grau complementar, mas apenas para os rapazes. Contudo, a legislação previa que, três anos após o estabelecimento das Escolas Normais para formar professores e professoras para a instrução primária, era possível, de acordo com as condições das localidades, ser leccionada a ginástica, no grau elementar, para ambos os sexos43. No entanto, esta legislação não foi regulamentada uma vez que o ministro deixou o poder. Somente, em 28 de Julho de 1881, com a nomeação de António Rodrigues Sampaio para ministro do Reino, foi finalmente feita a regulamentação da reforma e o programa de ginástica foi publicado nove meses depois44.

O prefácio do livro “Guia para o Ensino da Gymnastica nas Escólas do Sexo Feminino” foi feito por António Simões Lopes, professor de instrução primária e inspector escolar, que era um defensor da educação física escolar e admirador do trabalho desenvolvido por Paulo Lauret. Nele se dizia:

«A sua tenacidade e insistente propaganda no intuito de accordar para a educação physica a indifferença geral, já teem produzido excellentes resultados, que sucessivamente se hão de ir generalisando á medida que todos se forem convencendo de que educar não é só o que se tem praticado até hoje com esse intuito nas escolas e na familia»45.

António Simões Lopes ainda salientou a importância da realização da ginástica nas escolas do sexo feminino:

«Os exercicios gymnasticos nas escólas do sexo feminino ainda são, se é possivel, mais necessarios do que nas do sexo masculino; e, sem contestação possivel, são duplicadamente proveitosos: porque não sómente concorrem para a robustez physica das meninas que n’elles se exercitarem, senão tambem que essa robustez physica se irá reflectir na geração successora da infancia actual»46.

A metodologia utilizada por Paulo Lauret para o sexo feminino era muito semelhante à que tinha sido descrita no “Manual Theorico-Pratico de Gymnastica”. No entanto, Paulo Lauret somente utilizou como aparelhos os alteres, a vara, as massas, as escadas ortopédicas e as paralelas.

Desde a sua abertura que o Ginásio Lauret organizou e participou em diversos saraus, sendo na maioria dos casos de beneficência. Contudo, Lauret não descurava aqueles que o apoiavam. Por isso, em 13 de Fevereiro de 1884, Paulo Lauret organizou o primeiro sarau como forma de agradecimento e consideração à imprensa portuense. Três meses depois organizou um outro sarau dedicado à classe médica, que se fez representar por quarenta e cinco médicos47.

A dinâmica de trabalho de Paulo Lauret era enorme e, em 1887, o seu ginásio tinha diversos cursos de acordo com a idade e o sexo:

«O ensino no Gymnasio Lauret está dividido em differentes cursos, conforme as idades dos discipulos, e regulado de modo a dar os rezultados mais praticos e proveitosos. A sua frequencia é de 100 alumnos devididos do seguinte modo: meninas 7, meninos 33, adultos 60, tem um medico effectivo, o sr. Dr. Aureliano Cirne, e 250 socios protectores»48.

No entanto, esse dinamismo não era compensado com um aumento significativo de alunos inscritos nas suas classes. No seu livro “Cinésiologia ou Sciencia do Movimento”, publicado em 1887, Paulo Lauret lamentava essa situação, apesar da qualidade das suas instalações:

«Existe ha cinco annos um estabelecimento de educação physica no Porto (unico no paiz, nas condições exigidas, e dos primeiros na Peninsula), que dispõe de todos os elementos para bem corresponder ao fim para que foi creado. É triste confessar: vive pobre, é limitadissimo o numero dos seus frequentadores. Não sei a que atribuir esta indifferença publica, se á ignorancia, se á descrença, se á indolencia; seja qual fôr a causa, a verdade á a que exponho»49.

Apesar do desgosto pela forma como continuava a ser vista a educação física, Paulo Lauret não deixava de pensar que era necessária a criação de uma Escola Normal de Ginástica para formar, em três anos, professores para as escolas primárias, liceus e colégios. Só assim se podia pensar na generalização da educação física.

Para Paulo Lauret, o edifício da Escola Normal de Ginástica devia ter, pelo menos, oitenta metros de comprimento por quarenta metros de largura, possuir salas e um ginásio. No exterior, a escola devia ter um espaço para a prática de exercícios físicos. A direcção seria da responsabilidade de um médico, ficando o cargo de sub- director para um professor de ginástica. Para além destes dois elementos, a escola devia ter um professor para música, manejo de armas e dança, cinquenta monitores, um perfeito e um servente. Em relação aos monitores, Paulo Lauret considerava que eles podiam ser seleccionados entre os mancebos destinados ao Exército e seriam colocados em serviços como, por exemplo, secretaria, arquivo, biblioteca, museu, ginásio, sala de armas e anfiteatro de anatomia.

Por fim, a admissão à escola devia ser feita de forma rigorosa, sendo exigidas qualidades morais e físicas e conhecimentos considerados indispensáveis para a função de professor50.

No ano lectivo de 1890-1891, Paulo Lauret, que leccionava ginástica e esgrima, tinha como colaboradores Violante Stattmiller, professora de ginástica, a sua esposa Maria Ana Lauret, professora de dança, e A. Costa, professor ajudante de ginástica. Para além destes professores, o ginásio ainda tinha Paulo Marcelino como médico permanente. Trabalhava os sete dias da semana, leccionando sete lições por dia, no seu ginásio e em diversas instituições do Porto e de Braga, totalizando mil duzentos e dezassete alunos, sendo cento e vinte e seis do sexo feminino51. Segundo Lauret, ao fim de dez anos de esforço e propaganda começava a ver a adesão do público:

«Este ensino era nullo antes d’isso; é, pois, consolador o resultado e vejo o meu objectivo attingido. Pouco mais ha a fazer para que este ensino se generalise completamente entre nós; para isso basta a boa vontade dos dignos directores de casas de educação que já introduziram n’ellas este melhoramento e a d’aquelles que as venha a estabelecer no futuro»52.

Em Braga, Paulo Lauret trabalhou no Colégio do Espírito Santo, do padre Thomaz Hossemlopp, onde ministrou exercícios militares, exercícios de ginástica e a esgrima de sabre e de bengala. A convivência com os alunos do colégio permitiu-lhe verificar que os melhores alunos de ginástica eram aqueles que tinham melhor aproveitamento nos estudos intelectuais.

Também em Braga, Paulo Lauret abriu um ginásio num primeiro andar, com um espaço de sessenta metros quadrados, apetrechado com diversos aparelhos de ginástica, designadamente:

«…um pequeno portico com trapezio, argolas, corda lisa e escada obliqua; barra fixa, parallelas, apparelhos de resistencia em cautchu, varias massas e alteres»53.

Este ginásio tinha vinte e cinco alunos inscritos para as lições de ginástica, que se realizavam duas vezes por semana, e sete alunos em esgrima54.

Paulo Lauret manteve a sua dedicação à ginástica médica, apesar de considerar que as pessoas só deviam sujeitar-se a este tipo de ginástica depois de observadas por um médico.

Paulo Lauret salientou que esta ginástica não era aplicada nas escolas e nos hospitais. Para ele, ainda não havia a colaboração eficaz entre o médico e o professor de ginástica, porque não existia uma formação adequada:

«Assim, temos que ao gymnasta faltam os conhecimentos medicos, ao medico os conhecimentos gymnasticos, o que resulta um desencontro na forma de aconselhar e dirigir o enfermo, e que muitas vezes póde occasionar tornar o doente – victima da ignorancia de um ou de outro»55.

Por esse motivo, Paulo Lauret sugeriu que o país copiasse o que se fazia nos melhores institutos ortopédicos da Europa e que se utilizasse o método sueco:

«Bom era que este paiz, tão facil em imitações, imitasse o que se está fazendo em Leipzig, Strasburg, Paris, Bruxellas, etc., onde se encontram institutos especiaes de orthopedica, dirigidos por medicos e gymnastas habilitados, que garantem aos enfermos o bom resultado dos seus sacrificios.

Nós, na qualidade de gymnastas, garantimos que da gymnastica, segundo o methodo sueco, applicada com cuidado, se tiram optimos resultados»56.

Em 1891, o ginásio de Paulo Lauret estava devidamente apetrechado com o mais moderno equipamento, que lhe permitia satisfazer as necessidades da ginástica médica, ortopédica, higiénica e artístico-recreativa. Ele descreve-o assim, numa das suas publicações:

«Montado n’uma sala d’um primeiro andar que mede 22m de comprimento, 12m de largo e 8m de altura, bastante arejada e com bastante luz. Possue um material de ensino que sem receio podemos garantir que é o primeiro da peninsula, como se verá da sua enumeração: – varas, segundo Schreber, xillo- ferro de Laisné, massas, alteres, corda de tracção para luctas, punhos luctantes, arcos luctantes, tres machinas, segundo a gymnastica sueca, para exercicios vertebraes, dorsaes e peitoraes, apparelhos orthopedicos, escada curva, escada de madeira perpendicular, obliqua e horisontal, parallelas, barras  fixas, trapezios, argolas, cordas, escadas de cordas, cavallo, apparelhos para saltos, apparelhos para natação, passa-rios, apparelho de enforcação, floretes, sabres, bengalas, espingardas, mascaras, luvas, etc., etc.»57.

Desta forma, Paulo Lauret mantinha a tradição de utilizar os aparelhos das mais importantes escolas europeias de ginástica. Apesar da sua preferência pelas escolas alemã e francesa, Paulo Lauret também tinha algumas máquinas da ginástica sueca que, nessa altura, ainda não se tinha imposto na Europa Central.

Sobre estas máquinas, Paulo Lauret certamente estava a referir-se às do médico sueco Gustaf Zander (1835-1920). Inicialmente, Zander utilizou o método de Ling na sua ginástica médica. No entanto, verificou que era quase sempre necessária a existência de ajudantes, para trabalharem com os doentes, o que tornava essas sessões extremamente caras e, deste modo, inatingíveis a toda a população. Por isso, Zander concebeu aparelhos, alguns movidos a vapor, que imprimiam movimentos ao corpo58. A sua metodologia tinha grande valor como ginástica de desenvolvimento, sobretudo para os jovens, de ambos os sexos, que sofriam de problemas de coluna, resultantes de debilidade muscular59.

Em 12 de Junho de 1896, Paulo Lauret foi viver sozinho para o Rio de Janeiro60, mantendo-se ligado ao ensino da ginástica61. A sua saída de Portugal não foi explicada, mas presume-se que houve problemas familiares relacionados com a origem nobre da esposa e com as suas ideias republicanas. No primeiro caso, o segundo filho62 de Paulo Lauret foi registado sem os apelidos Saldanha e Albuquerque que, desde o século XV, pertenciam à família63. No segundo caso, Paulo Lauret era membro da Maçonaria64, tendo sido um dos fundadores das lojas maçónicas “Ordem e Progresso” (1891) e “Capítulo Cavaleiros do Progresso” (1892) que estavam adstritas ao Gran Oriente Nacional de España65. De realçar que Paulo Lauret escolheu Amorós como nome simbólico66. A obra de Amorós foi, sem dúvida, uma das grandes influências no desenvolvimento do seu trabalho.

A ligação de Paulo Lauret ao método de Ling foi muito particular. Apesar do professor ter demonstrado que o conhecia nos seus livros “Estudos sobre Educação Physica” (1881) e “Cinésiologia ou Sciencia do Movimento” (1887), apenas se dedicou à aplicação do ramo médico. Perante uma sociedade portuense com problemas físicos, a utilização de uma metodologia com poucos aparelhos permitia-lhe realizar, com eficácia, o trabalho de recuperação física dos seus clientes. No entanto, Paulo Lauret manteve-se sempre actualizado em relação ao que se fazia nesta área nos melhores institutos da Europa. Por isso, não foi de estranhar que ele apetrechasse o seu ginásio com as máquinas de Zander, discípulo de Ling, que tinham grande sucesso nesses institutos. Esta opção de Paulo Lauret em possuir um ginásio moderno tinha, sem dúvida, a perspectiva de conseguir atrair bastantes clientes.

Notas de rodapé

1 Paul Émile Lauret é também conhecido com o nome português de Paulo Emílio Lauret.

2 1832-1834.

3 Lauret, Paulo (1846). Documentos da Actividade Militar de Paulo Emílio Lauret. Lisboa: Typ. Patriotica, p. 1.

4 Guerra civil que decorreu entre 1846 e 1847.

5 Correspondência com o Comandante Pedro Lauret (bisneto).

6 Hasse, Manuela (1999). O Divertimento do Corpo. Lisboa: Editora Temática, p. 234.

7 Ibidem.

8 Ibidem.

9 Lauret, Paulo (1881). Estudos sobre Educação Physica. Porto: Editor Joaquim Antunes Leitão, p. 68.

10 D. Manuel Correia de Bastos Pina cit. in Garcia, Prudêncio (1889). Alguns apontamentos para a  história do Seminário de Coimbra. Governo do Sr. Bispo Conde D. José Manuel de Lemos (1858-1870) in Instituições Christãs, V, p. 110.

11 Actas da Mesa da Santa Casa da Misericórdia de Coimbra (1869-1879).

12 Lauret, Paulo (1881). Estudos sobre Educação Physica. Porto: Editor Joaquim Antunes Leitão, p. 69.

13 Simões, Augusto Filippe (1874). Educação Physica. Lisboa: Livraria de Ferreira Lisboa & C.ª, p. 364.

14 O jornal “O Conimbricense”, n.º 2405, de 13 de Agosto de 1870, publicou uma página com a avaliação dos alunos do Seminário nas suas disciplinas curriculares e não constava a ginástica.

15 Conta Corrente da Receita e Despêza do Seminário de Coimbra.

16 Lauret, Paulo (1881). Manual Theorico-Pratico de Gymnastica. Lisboa: David Corazzi – Editor, p. VI.

17 Pereira, C. M. in O Gymnasta, 15 de Novembro de 1878, p. 1.

18 O Gymnasta, I anno, 15 de Novembro de 1878, p. 4.

19 Correspondência com o Comandante Pedro Lauret (bisneto).

20 Em 1870, D. António da Costa (1824-1892) foi, durante dois meses, ministro dos negócios da instrução pública. Nesse curto período, elaborou diversas medidas ao nível escolar, que vieram a influenciar, em 1878, a reforma da instrução primária de Rodrigues Sampaio, onde a ginástica fazia parte do programa obrigatório.

21 Simões Raposo (1840-1900) foi subdirector e provisor dos estudos na Real Casa Pia de Lisboa. Entre 1869 e 1884, Simões Raposo publicou relatórios anuais que eram considerados por Paulo Lauret de

«magnificos», porque demonstravam a preocupação em melhorar a acção pedagógica daquela instituição. 22 Lauret, Paulo (1881). Manual Theorico-Pratico de Gymnastica. Lisboa: David Corazzi – Editor, p. 79. 23 Idem, op. cit., p. 80.

24  Idem, op. cit., p. 81.

25 Idem, op. cit., pp. 79-81.

26 Schreber, Daniel (1879). Gymnastica Domestica, Medica e Hygienica. Lisboa: Editora Cândido de Magalhães, p. 4.

27 Na época, Paulo Lauret era director honorário do «Gymnasio medico-dynamico» de Madrid, do

«Gymnasio da Escóla de Medicina de Sevilha e do Gymnasio hygienico, medico e recreativo de D. E. Castañon». Por isso, tinha profundos conhecimentos da metodologia utilizada em Espanha.

28 Lauret, Paulo (1881). Estudos sobre Educação Physica. Porto: Editor Joaquim Antunes Leitão, p. 36.

29 Idem, op. cit., p. 37.

30 Idem, op. cit., p. 70.

31 Annuario das Escolas Normaes do Porto I (1882-1909). Porto: Tip. A Vap da Empresa Litteraria e Typographica, pp.105 e 109.

32 O Gymnasta, 11de Fevereiro de 1886. Numero único commemorativo do 4.º anniversario do Gymnasio Lauret e Sala D’Armas, pp. 1-2.

33 Idem, n.º 1, 26 de Março de 1882, p. 1.

34 Idem, n.º 11, 31 de Agosto de 1882, p. 7.

35 Idem, n.º 23, 1 de Abril de 1883, p. 3.

36 Idem, op. cit., p. 4.

37 Ibidem.

38 Ibidem.

39 Ibidem.

40 Ibidem.

41 Idem, p. 6.

42 Ana Violante Stattmiller de Saldanha Albuquerque (1865-1939) era prima da esposa de Paulo Lauret.

43 Diário do Governo n.º 110, de 16 de Maio de 1878, pp. 1213-1215.

44 Diário do Governo, n.º 78, de 8 de Abril de 1882, p. 846.

45 Lauret, Paulo (1883). Guia para o Ensino da Gymnastica nas Escolas do Sexo Feminino. Porto: Livraria Portuense de Clavel & C.ª, p. VIII.

46 Ibidem.

47 O Gymnasta, 11de Fevereiro de 1886. Numero único commemorativo do 4.º anniversario do Gymnasio Lauret e Sala D’Armas, p. 2.

48 O Occidente, n.º 291, de 21 de Janeiro de 1887, p. 19.

49 Lauret, Paulo (1887). Cinésiologia ou Sciencia do Movimento. Porto: Typographia da Empreza Litteraria e Typographica, p. 9.

50 Idem, op. cit., pp. 71-73.

51Idem, op. cit., pp. 4-5.

52Idem, op. cit., p. 14.

53 Texto manuscrito pelo autor in Lauret, Paulo (1891). Gymnasio Lauret e Sala d’Armas. Porto: Typ. da Empreza Litteraria e Typographica, p. 15.

54 Ibidem.

55 Lauret, Paulo (1890). A Educação e a Orthopedica. Porto: Typ. da Empreza Litteraria e Typographica, pp. 35-36.

56 Idem, op.cit., p. 36.

57 Lauret, Paulo (1891). Gymnasio Lauret e Sala d’Armas. Porto: Typ. da Empreza Litteraria e Typographica, pp. 8-9.

58 Idem, n.º 999, 30 de Setembro de 1906, p. 211.

59 Laty, Dominique (1996). Histoire de la Gymnastique en Europe. Paris: Presse Universitaires de France, p. 258.

60 Annuario das Escolas Normaes do Porto I (1882-1909). Porto: Tip. A Vap da Empresa Litteraria e Typographica, pp. 105 e 109.

61 Em 1905, Paulo Lauret leccionou no Colégio de Santo Inácio.

62 Paulo Emílio Lauret.

63 Correspondência com o Comandante Pedro Lauret (bisneto).

64 Segundo Assor (2010, 13), a Maçonaria é uma ordem iniciática, ritualista, universal, fraterna, filosófica e progressista, baseada no livre-pensamento e na tolerância, que tem como objectivo o desenvolvimento e o aperfeiçoamento do Homem com o propósito de edificar uma sociedade mais justa e igualitária.

65 Gonzalo, Ignacio (1997). Las Relaciones Masónicas entre España y Portugal: 1866-1932. Mérida: Editora Regional de Extremadura, pp. 99-100.

66 No momento de iniciação, o neófito elege um perfil que deve ser tomado como «modelo e argumento, para a sua arquitectura pessoal e biográfica» (Sousa, 1999: 63).

67 O Occidente, n.º 956, 20 de Julho de 1905, p. 159.